Nos últimos 14 anos, um novo grupo de doenças hereditárias raras começou a ser identificado em diferentes partes do mundo. São causadas por deficiências genéticas da imunidade inata e, se não forem diagnosticadas precocemente e tratadas de forma adequada, podem levar a complicações graves de saúde.
Para estudar a prevalência e melhorar a capacidade de diagnóstico no Brasil dessas novas doenças, chamadas síndromes autoinflamatórias hereditárias, um grupo de pesquisadores de diferentes instituições no país e nos Estados Unidos realizou, nos últimos três anos, um estudo de abrangência nacional.
Os resultados da pesquisa serão apresentados no Encontro Científico Anual do Colégio Americano de Reumatologia (ACR, na sigla em inglês), que ocorre até 9 de novembro em Chicago, nos Estados Unidos.
Realizado com apoio da FAPESP e das sociedades brasileiras de Pediatria e Reumatologia, o
projeto teve a participação de pesquisadores das universidades de São Paulo (USP), Estadual de Campinas, do Estado do Rio de Janeiro, das federais de São Paulo, Rio de Janeiro, Goiás e Pernambuco e do Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas (NIAID), nos Estados Unidos.
Por meio da pesquisa foram identificados 103 pacientes no Brasil, entre adultos e crianças, com suspeita clínica de serem portadores de uma das cinco síndromes inflamatórias mais prevalentes no mundo: febre familiar do Mediterrâneo; criopirinopatias; artrite granulomatosa pediátrica; hiperimunoglobulinemia D ou deficiência de mevalatoquinase; e síndrome periódica associada ao receptor do fator de necrose tumoral.
Entre esses 103 pacientes, os pesquisadores identificaram e sequenciaram os genes relacionados a essas cinco síndromes em cerca de um terço deles.
“Como essas síndromes são muito parecidas – os sintomas são iguais e também podem existir outras novas doenças semelhantes a elas – não foram identificados e sequenciados os genes das doenças apresentadas por cerca de dois terços dos pacientes”, disse Clovis Artur Almeida da Silva, professor da USP e coordenador do projeto, à Agência FAPESP.
O objetivo agora é dar continuidade à identificação e ao sequenciamento genético desses pacientes, de modo a aprimorar a capacidade de diagnóstico dessas doenças, para as quais estão surgindo novos tratamentos.
“Ainda não temos condições de avaliar todos os pacientes portadores dessas doenças, cujo tratamento é específico para cada uma delas”, afirmou.
Caracterizadas por febre periódica e sintomas inflamatórios sistêmicos recorrentes, como artrite, dores abdominais, manchas na pele e inflamações oculares e do sistema nervoso central, entre outras, essas doenças estão sendo diagnosticadas em todo o mundo. Entretanto, já se sabe que afetam, principalmente, populações do Mediterrâneo, como turcos, armênios, judeus sefarditas (originários de países ibéricos) e árabes, devido à consanguinidade.
“São muito comuns os casamentos entre parentes nessas populações. Como essas doenças são hereditárias e têm heranças distintas, elas acabam acometendo um maior número de pessoas nessas regiões geográficas”, explicou Silva. Em algumas dessas regiões, a prevalência de casos das doenças varia de 1 para 200 a de 1 para 1.000 pessoas.
DIRA
No Brasil, ainda não se sabe exatamente qual a prevalência. “Apresentamos os resultados da pesquisa inicial no Congresso Brasileiro de Reumatologia Pediátrica, que ocorreu no início de outubro em Salvador, e diversos pesquisadores têm nos enviado e-mails relatando que têm pacientes com sintomas parecidos com os dessas doenças. À medida que elas forem mais divulgadas no Brasil, surgirão outros novos casos”, disse.
Para identificar casos das doenças no Brasil, foram coletadas amostras de soro sanguíneo de casos clínicos, com maior predominância da região Sudeste e a ausência da região Norte, onde não foi registrado nenhum paciente portador dessas doenças.
Entre os casos clínicos levantados, foram identificados os de duas crianças que apresentavam inflamações cutâneas, como psoríase e manchas na pele, e osteomielite não infecciosa.
Os pesquisadores estimavam que as crianças eram portadoras de uma síndrome inflamatória já identificada. Ao enviar os genes delas para serem sequenciados por outro pesquisador no Qatar, nos Emirados Árabes, o grupo brasileiro descobriu uma nova síndrome na população brasileira, batizada de DIRA.
A descoberta será publicada em uma das próximas edições da revista Arthritis & Rheumatism, do Colégio Americano de Reumatologia.
Por Elton Alisson
Fonte:
Agência FAPESP
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